Brasão de Armas
A utilização de determinados símbolos e cores como forma de identificar indivíduos, famílias, tribos ou clãs é um fenómeno universal e com raízes remotas. A Heráldica é um aspecto particular desta tendência humana. No caso concreto, a Heráldica de Domínio (isto é, dos brasões das autarquias) é um verdadeiro universo visual simbólico. Constitui uma fonte abundante de elementos sobre a personalidade e a identidade de diferentes locais. A leitura de um brasão permite a descoberta de um feito histórico, de elementos geográficos, recursos, produção ou famílias dominantes.
O emblema de Lisboa tem profundas raízes na lenda, na história e no mito. Remonta à Idade Média. Da leitura iconográfica depreende-se uma relação com a Lenda do Martírio de São Vicente1 , cujas relíquias, sempre acompanhadas por dois corvos, terão aportado ao Sul, no Cabo de Sagres (Cabo de São Vicente). Daí as terá mandado trazer o Rei D. Afonso Henriques, em 1176, para acréscimo do prestígio e glória da recém conquistada Cidade de Lisboa (1147).
Neste sentido, a Capital de Portugal faz-se representar com armas heráldicas, pelo menos desde o século XIII. A embarcação, nas suas inúmeras variantes (barca, batel, caravela, nau, navio ou simplesmente um desenho esquemático), com dois corvos, um à proa e outro à popa, têm sido figuras constantes. Salvo raras excepções, o escudo adoptado é o de tipo português.
Os selos e em especial os selos pendentes, foram os primeiros símbolos da identidade municipal. No caso de Lisboa, o exemplar mais antigo que se conhece pende de um documento do Mosteiro de Santos-o-Novo, da Era 1271 (A.C. 1233), onde aparecem a Barca e os Corvos. Também vulgar à época, era a manifestação desta simbologia nas chamadas pedras-de-armas, como é o caso do Chafariz do Andaluz (1336).
Em termos de legitimação da representação, houve que esperar pelo século XIX, para que se aprovasse uma expressão heráldica para a Capital. O Alvará de 3 de Março de 1897 foi, de facto, o primeiro a ratificar o emblema – galeão com os corvos – ao centro do brasão, de tipo francês, sobrepujado pela coroa mural de ouro e rodeado por dois ramos de carvalho, unidos pela legenda proferida por D. João I Mui Nobre e Leal Cidade de Lisboa.
A Implantação da República trouxe alterações de fundo, envoltas em polémicas que originaram algumas propostas. A 3 Junho de 1920 (Decreto nº 6659) o Presidente da República concedeu à Cidade de Lisboa a Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito e o colar passou a figurar como insígnia. A 28 de Setembro do mesmo ano as armas passaram a ter como figuras a birreme romana com um único corvo; o escudo adoptou a forma circular com a legenda Sobre todas excelente e maioral, envolto, no exterior, pelo Colar da Ordem da Torre e Espada.
Perante a inconstância da imagem municipal, que acarreta ela própria uma confusão comunicativa institucional, procurou-se um consenso. A versão actual das Armas e do Brasão (bem como da Bandeira Municipal e do Selo), foi o culminar de um processo que se iniciou em 1938, com o pedido de autenticação e legalização da heráldica da Câmara pelo, então, Presidente, Eduardo Rodrigues de Carvalho, e continuou com o parecer do heráldico Afonso de Dornelas, membro da Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Da descrição oficiosa, aprovada em 19402 , consta o seguinte:“Armas de ouro, com um barco exteriormente de negro realçado de prata, e interiormente de prata realçado de negro, mastreado e encordado de negro, com uma vela ferrada de cinco bolsas de prata. A proa e a popa rematadas por dois corvos de negro afrontados. Leme de negro realçado de prata. O barco assente num mar de sete faixas ondadas. Coroa mural de ouro de cinco torres. Colar da Torre e Espada. Listel branco com os dizeres ‘Mui Nobre e Sempre Leal Cidade de Lisboa’”
Bibliografia
Dias, Jaime Lopes – Brasão da Cidade de Lisboa, 2ª ed., Lisboa, Câmara Municipal, 1968.
Dicionário de História de Lisboa, Lisboa, Carlos Quintas & Associados Lda, 1994.
Fragoso, Margarida Ambrósio Pessoa – O emblema da Cidade de Lisboa, Lisboa, Livros Horizonte, 2002.
MATOS, Francisco – “A Bandeira Municipal de Lisboa: introdução à vexilologia autárquica olisiponense”. In: Cadernos do Arquivo Municipal. N. 5, 2001.
“VIII Centenário da chegada a Lisboa das Relíquias de S. Vicente”, in: Revista Municipal. S. e, N- 136/137, 1973, p. 95-99.
1 - Sacerdote presumivelmente natural de Saragoça, Mártir da Igreja, supliciado em Valência no século IV, sob Públio Daciano, que mandou lançar ao pântano o seu cadáver para ser comido por aves. Este apareceu mais tarde, praticamente intacto, à guarda de um corvo. Novamente lançado ao mar, deu à costa e foi recolhido por cristãos, que o sepultaram em Valência, dando início à devoção. Com a invasão árabe, resolveram levar o corpo para Ocidente, no que foram acompanhados por um corvo. (VIII Centenário da chegada a Lisboa das Relíquias de S. Vicente, in: Revista Municipal. S. e, N- 136/137, 1973, p. 95-99).
2 - Regulamentado pela Portaria nº 9468, publicada em Diário de Governo. S. I, nº 48, de 28 de Fevereiro de 1940 (Idem - Ibidem, p. 183).