Na sequência da sessão de discussão pública promovida pela Junta de Freguesia de Belém
Os Vizinhos de Belém, enquanto núcleo da Associação de Moradores «Vizinhos em Lisboa», vêm por este meio clarificar a sua posição quanto à temática do Estacionamento no Bairro do Restelo.
Importa esclarecer, desde logo, que os Vizinhos de Belém estão empenhados desde o primeiro momento na resolução do problema de forma construtiva, sempre imbuídos do modelo de cidadania que defendem para a cocriação de políticas públicas.
Foi, aliás, com indubitável transparência que o núcleo divulgou publicamente, não só as várias versões da proposta que foi construída com os moradores do Bairro do Restelo, como as premissas básicas que subjazem ao trabalho desenvolvido, nomeadamente:
1.ª A importância de um debate aberto, profundo e honesto sobre o problema que procure consensos, sem pôr em causa os direitos fundamentais dos cidadãos;
2.ª O caminho que todos temos de fazer em prol de uma cidade sustentável, ecológica e inclusiva, que privilegie os modos ativos e o progressivo equilíbrio da distribuição modal;
3.ª A valorização do Bairro do Restelo enquanto património da cidade de Lisboa aberto a todos, sem prejuízo da relação privilegiada que os moradores têm com o seu bairro.
Clarificados estes princípios, e na sequência da reunião pública que ocorreu a 4 de abril de 2024, promovida pela Junta de Freguesia de Belém, na qual se pôde sentir uma clara divisão de opiniões, convicções e necessidades entre os fregueses, o núcleo dos «Vizinhos de Belém» sentiu-se na obrigação de clarificar a sua posição sobre a matéria.
Decorre da Constituição da República Portuguesa que os cidadãos têm o direito de se deslocarem livremente no território nacional, e que isso implica que o podem fazer do modo que acharem mais conveniente, nomeadamente de automóvel e todos reconhecemos a utilidade e conforto deste meio de transporte.
Porém, a opção de uns não pode comprometer a dos outros, devendo ser dada especial atenção aos utentes mais vulneráveis da via pública, nomeadamente os que optam pelos meios mais suaves, visto que o diploma fundamental da República consagra concretamente o «direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado» (artigo 66.º), retirando-se desta premissa constitucional o direito de os cidadãos optarem por se deslocarem em segurança nas artérias das cidades, privilegiando-se os modos ativos - mormente o «andar a pé», o que é claramente incompatível com a permissão do estacionamento automóvel no espaço que seria reservados aos peões.
Temos presente que o espaço disponível na via pública para o estacionamento automóvel encontra-se no ponto de saturação. Porém, o problema é ainda mais alarmante, porque é um problema exponencial, que se irá agravar ano após ano.
Até 2050, as projeções da ONU sugerem que a população urbana irá representar mais de dois terços da população mundial. Sabemos que os jovens permanecem em casa dos pais muito para além da maioridade, sendo que um casal com três filhos rapidamente se transforma num agregado com 5 automóveis (a acrescer o facto dos carros de uso mais comum estarem cada vez maiores e mais largos).
E se, hoje, os bairros já estão lotados no que se refere à procura de estacionamento público, como será amanhã?
A verdade é que cabe aos poderes públicos prosseguir os interesses da população, e, de facto, uma grande parte dela encontra-se dependente do automóvel particular como modo de mobilidade, seja por que razões for, e é legítimo que os poderes autárquicos procurem resolver os problemas do estacionamento.
Porém, o espaço público é um bem escasso, tal como a água potável ou a energia - não é infinito -, e se o automóvel já ocupa grande parte do espaço público das cidades (estima-se que mais de metade do espaço público das urbes modernas esteja atualmente dedicado ao automóvel, com estradas e os estacionamentos em competição com as escolas, hospitais e jardins), na resolução deste problema não se pode nunca prejudicar o elo mais fraco da mobilidade, nomeadamente, todas as pessoas que andam a pé, em particular as crianças, os idosos e aqueles com mobilidade reduzida (lembremo-nos dos invisuais).
Faz parte do mandato público de um autarca defender os mais fracos e primar pela inclusão plena no usufruto do espaço público e da cidade, mesmo que tal implique algum desconforto para uma maioria.
As cidades existem há mais de 10 mil anos e só muito recentemente o seu espaço foi ocupado pelo automóvel. Veja-se como, subtilmente, este modo de transporte começou a ocupar as nossas estradas, empurrando-se os peões para as laterais dessas vias (em alguns casos, criando-se passeios minúsculos); e agora pretende-se também ocupar o pouco espaço que foi deixado ao peão? Isto não é admissível.
A única forma de se permitir o estacionamento nos passeios será devolvendo as ruas aos peões, nomeadamente, através da implementação de zonas de «prioridade ao peão», tal como se encontram previstas na Lei.
Nestes termos, o núcleo «Vizinhos de Belém» expressa os seguintes pontos:
- É contra a qualquer decisão que permita o estacionamento em cima dos passeios, sendo que estudou e propôs alternativas, nomeadamente: requalificar integralmente as artérias em causa, transformando-as em «zonas de prioridade ao peão», com inerente limitação de velocidade (através de medidas físicas de acalmia); ou simplesmente reordenar o estacionamento, libertando totalmente os passeios e maximizando os lugares disponíveis
- Apela à implementação progressiva do projecto que foi trabalhado pelos Vizinhos de Belém, em coordenação com a AMBeX e com os moradores do Bairro (e aprovado pela autarquia), no qual se organiza o estacionamento no Bairro, sem prejudicar a mobilidade pedonal, prevendo-se um total de 874 lugares, o que representa o excesso de 217 lugares face à ocupação máxima atual no Bairro. A isto acresce que a melhoria da acessibilidade às garagens privadas, com a marcação dos lugares, que incentivará a sua utilização, reduzindo a pressão sobre o estacionamento na via pública;
- Questiona o executivo camarário sobre a viabilidade de prosseguir a promessa de criar um silo em cada bairro recorrendo ao parque subterrâneo do Hotel Governador, nas imediações do Bairro, que foi feito em terrenos camarários na condição de ser público e se encontra a servir apenas o hotel, podendo muito bem servir como silo do Bairro do Restelo.
Recorde-se, «uma cidade boa para as crianças, é uma cidade boa para todos»!